O presente artigo visa a analisar o texto de Ferdinand Lassale sobre a Constituição Política.
1. Como definir uma Constituição
Para um jurisconsulto, uma Constituição é a lei fundamental proclamada pelo país e na qual se baseia a organização do Direito público dessa nação. No entanto, essa definição limita-se a descrever como se formam as Constituições e o que fazem, não explicam o que é uma Constituição. Desse modo, não é possível distinguir se uma determinada Constituição é boa ou má, possível ou utópica, duradoura ou insustentável.
Antes de tudo é necessário descobrir a verdadeira essência de uma Constituição, para depois definir se a Carta Constitucional examinada se acomoda ou não às exigências substanciais. “O conceito de Constituição [...] é a fonte primeira da qual nascem a arte e a sabedoria constitucionais”[1].
2. Constituição como lei fundamental
Para entrar em vigor, uma Constituição deve ter aprovação legislativa, tem que ser também lei. Porém, além disso, no espírito unânime dos povos, uma Constituição deve ser qualquer coisa de mais sagrado, de mais firme e de maior solidez que uma lei comum.
Portanto, uma Constituição é uma lei fundamental da nação. Mas é preciso distinguir uma lei de uma lei fundamental. Para ser designada como tal, a lei fundamental deve ser uma lei mais básica do que as outras comuns; deve informar e movimentar as leis comuns originárias da mesma, devendo atuar sobre as leis comuns do país. A ideia de fundamento contém a noção de uma necessidade ativa, de uma força eficaz que torna por lei da necessidade que o que se baseia sobre ela seja de um e não de outro modo.
Desse modo, a Constituição é uma força ativa que faz com que todas as restantes leis e instituições jurídicas vigentes no país sejam o que efetivamente são.
3. Os fatores reais do poder
Os fatores reais do poder atuantes nas sociedades constituem essa força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas da sociedade, determinando que devem ser como efetivamente são. Várias partes da sociedade podem fazer parte desses fatores.
Em uma monarquia, na qual o Exército e as armas obedecem ao rei, este constitui uma parte da Constituição, uma vez que pode impor seus interesses por deter tanto poder. Como a nobreza sempre teve grande influência junto à Corte, ela também tem certo poder sobre o Exército e as armas, o que faz com que a nobreza também faça parte da Constituição.
A grande burguesia também tem poder na sociedade, pois pode apoiar uma movimentação popular a favor de seus interesses, constituindo, assim, uma parte da Constituição. Limitadamente, a consciência coletiva e a cultura geral da Nação são fragmentos da Constituição, uma vez que através do primeiro é possível se rebelar e o segundo influencia no que a sociedade defende.
Caso a nobreza e a grande burguesia apoiassem o rei, a pequena burguesia se juntaria ao povo, e a resistência desse grupo seria invencível. Dessa forma, em casos extremos, também o povo é parte integrante da Constituição.
Portanto, a Constituição de um é a união dos fatores reais do poder que regem esse país. Para Lassale, é impossível se imaginar uma Nação na qual não existam os fatores reais do poder.
3.1. Os fatores reais do poder e as instituições jurídicas
Para fazer uma distinção entre Constituição e Constituição jurídica, reúnem-se os fatores reais do poder e uma expressão escrita é dada a eles; assim, de simples fatores reais do poder, passam a ser verdadeiro direito. A coercitividade será usada quando alguém atentar contra eles.
4. O sistema eleitoral das três classes
Até a revolução de 1849, vigorou na Prússia a lei eleitoral das três classes, na qual se divide a nação em três grupos eleitorais, conforme os impostos correspondentes a cada um dos grupos.
Nesse sistema, as escassas pessoas riquíssimas possuíam tanto poder político quanto os operários e camponeses, além de deterem tanto poder político quanto o resto da nação quando somados aos eleitores da média burguesia.
Se for interesse do governo tornar uma pequena parte da sociedade tão poderosa quanto os eleitores das outras três classes reunidas na Constituição, basta que o legislador estipule na Constituição, de forma pouco clara, que o grupo que se deseja privilegiar, juntamente com alguns elementos secundários, formarão o Senado. Dessa forma, eles teriam atribuições para aprovar as decisões emanadas da Câmara dos Deputados.
4.1. Fidelidade do Exército na Constituição prussiana
A Constituição prussiana dispõe que não é exigida ao Exército fidelidade à Constituição: o Exército se situa à margem da Constituição e fora da sua jurisdição, somente precisa prestar contas do que faz ao rei, permanecendo completamente desligado do resto da Nação. Desse modo, o rei reúne um poder muito superior ao da Nação inteira.
5. Poderes organizado e desorganizado
O Exército está organizado, pode reunir-se a qualquer momento e ser utilizado assim que seja solicitado. No entanto, o poder que se apóia na Nação é desorganizado: a vontade do povo e seu grau de intervenção não são de fácil consenso. A Nação carece desse instrumento do poder organizado. Um poder organizado menos forte pode se manter no poder por muito tempo, sufocando o poder mais forte, porém desorganizado, do povo.
6. História constitucionalista
As tradições se baseiam nos precedentes, os quais têm uma função muito importante nas questões constitucionais. Por exemplo, na prática efetiva e tradicional de cargas e impostos, se alegava que desde tempos remotos o povo se encontra sujeito a essas prestações e, baseada nesse precedente, a norma dispunha que tal estado podia manter-se. A proclamação desta norma constituía a base no Direito Constitucional.
Por vezes, uma dessas manifestações que tinha origem na realidade do poder era expressa especialmente em um pergaminho, permitindo o advento de foros, direitos especiais, privilégios, estatutos e cartas outorgadas de um grêmio, de uma vila etc. Tudo isso, junto dos fatos e precedentes, formavam a Constituição do país. Cada um deles exprimia os fatores reais do poder que agiam no país.
Todos os países possuem, sempre possuíram, uma Constituição real e efetiva. Na maioria dos Estados modernos aparece, em algum momento da sua história, uma Constituição escrita para estabelecer documentalmente todos os princípios e instituições do governo vigente. A aspiração por uma Constituição escrita ocorreu devido a uma mudança nos elementos reais do poder.
“As primeiras Constituições se inseriram no quadro de um processo de limitação e fragmentação do poder absoluto, tal como o que se consolidou nas monarquias européias”[2].
A Constituição de um Estado pouco povoado da Idade Média é uma Constituição feudal, na qual a nobreza ocupa um lugar de destaque. O príncipe não pode criar impostos sem seu consentimento e só ocupará a posição de primeiro posto entre os seus iguais hierárquicos, a nobreza.
Com o advento da monarquia absoluta, o príncipe não precisa elaborar por escrito a nova Constituição, pois ele controla o instrumento real e efetivo do poder, o exército permanente, transformando o país em um “Estado militar”.
No entanto, o exército não teve condições de acompanhar o crescimento da população civil, ocorrido após o desenvolvimento da sociedade burguesa. A burguesia percebe que consiste em uma potência política independente e passa a exigir participação no governo e que o príncipe proteja seus interesses.
7. A arte e a sabedoria constitucionais
Após uma revolução, o Direito privado continua em vigor, mas outro Direito público necessita ser redigido. Para uma Constituição poder ser considerada boa e duradoura, Lassale diz que a Constituição escrita deve corresponder à Constituição real e deve se originar nos fatores do poder que regem o país.
“Para Lassale, a Constituição escrita, para ser boa e duradoura, deve refletir, necessariamente, os fatores reais de poder existentes na sociedade, pois, um eventual conflito entre o texto escrito e a Constituição real, ou seja, a soma dos fatores reais de poder que regem uma nação, fará com que, mais cedo ou mais tarde, a Constituição folha de papel seja rasgada e arrastada pelas verdadeiras forças vigentes no país, num determinado momento de sua história. Noutras palavras, a Constituição formal seria revogada pela Constituição real”[3].
8. O Poder da Nação é invencível
Apesar de o poder do exército ser inferior ao da Nação, com o tempo se torna mais eficaz que o poder dela. Dessa forma, o poder organizado do exército vence sempre, a não ser nos casos isolados de revolução. Quando a Nação triunfa sobre o exército, para que seu esforço não tenha sido inútil, é necessária uma transformação radical do exército, de modo que ele deixe de ser instrumento de repressão a serviço do rei contra a Nação.
No entanto, isso não aconteceu na Prússia em 1848. Para Lassale, esse fenômeno explica-se porque os reis têm ao seu serviço melhores servidores do que o povo, uma vez que os servidores dos reis são práticos, enquanto os servidores do povo, quase sempre, são teóricos.
LASSALE, Ferdinand. O que é uma constituição política? 1ª Ed. São Paulo: Global, 1987.
BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 11ª Ed. [Trad. Carmen C, Varriale et ai.; coord. trad. João Ferreira; rev. geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais].Brasília: Editoria Universidade de Brasília, 1998. Vol. 1
MOREIRA, Marcelo Silva. Lassale x Hesse e as reformas à Constituição Brasileira. Jus Navigandi, Teresina, ano 1, n. 17, ago. 1997. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=92>. Acesso em: 23 set. 2010.
[1] LASSALE, Ferdinand. O que é uma constituição política? 1ª Ed. São Paulo: Global, 1987. P. 30.
[2] BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 11ª Ed. [Trad. Carmen C, Varriale et ai.; coord. trad. João Ferreira; rev. geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais].Brasília: Editoria Universidade de Brasília, 1998. Vol. 1. P. 258.
[3] MOREIRA, Marcelo Silva. Lassale x Hesse e as reformas à Constituição Brasileira. Jus Navigandi, Teresina, ano 1, n. 17, ago. 1997. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=92>. Acesso em: 23 set. 2010.
Graduado em Direito pela UFPE. Pós-graduação em Processo Penal pela Universidade de Coimbra em parceria com o IBCCRIM; Pós-graduando em Direito Constitucional e em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Única.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PATRIOTA, CARIEL BEZERRA. Análise do texto o que é uma constituição política? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez 2019, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /53920/anlise-do-texto-o-que-uma-constituio-poltica. Acesso em: 29 dez 2024.
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